Uma lírica ensaística, um espaço para o pensar individual, para a literatura e para as aspirações de transformação, pessoal e coletivas.
14 dezembro 2010
Dois Outros Poemas
Como em antigas histórias
nossos nomes se confundem
entre rios e rendas
o amor bebia sua história
em lugares insuspeitos
em paragens distantes
éramos mago e huri na Arábia Félix
éramos profeta e musa
em antigas terras gregas
tão próximos nossos cheiros
a música dos nossos corpos
quando longe
me manda sinais
de tua ausência
de teus sonhos
temas da memória
do muito que passou
da fome dos teus gestos
sinto, recebo
cada fábula que emana
de tua silenciosa presença
escuto tuas vozes
na diversidade dos ventos
na intrincada rede
da voz dos muitos bichos
do dialeto das folhas
do enigma das marés
em muitos anéis do tempo
esse espelho
onde nos damos as mãos
tu e eu em muitos hojes
tu, já que existo em ti
tu, cujo cheiro atrai a inveja das flores
tu, cujo nome amor
existe além de mim.
SERTÃO
Esse lugar tem nome de areia
no azul que devora a tarde
pátina no tempo, palavra
a esconder geografias
tesouro na memória que guarda
o rosto da curva dos ventos
assombroso mapa
de ausência e gozo
saber das pedras
o que as predicam
saber da argila
sua quididade
ouvir da água a ternura
que se derrama nas folhas
sequestrar no hemisfério
o rastro dos cometas
na alba o cabelo das estrelas
dentro, fora, acima em mim
esse lugar mil nomes
essa certeza de sertão.
30 novembro 2010
Descida de Ishtar ao Inferno
nem os mortos poderiam
interrompê-la
ave que se despluma nas trevas
em cada portão eles diziam
deixa aqui teus gestos se queres prosseguir
folha que o vento carrega era seu nome
na senda cada dia mais estreita
palavras densas sufocadas
cortavam sua pele nácar
em cada portão eles diziam
deixa aqui tua voz se queres prosseguir
era lua nova no submundo
barco de papel que a bruma leva
sorriso de corça assustada
ela descia
de abismo em abismo
em cada portão eles diziam
deixa aqui teus olhos se queres prosseguir
não havia primaveras
não havia hibiscos nem jacintos
seus pés sangravam sobre vermes
sua pele era seda
tateando estalagmites de metal
em cada portão eles diziam
deixa aqui tuas lembranças se queres prosseguir
nua, serpente que troca de pele e se devora
seus dedos irradiavam luz
abaixo, soterrado estava seu destino
em cada portão eles diziam
deixa aqui tua vontade se queres prosseguir
o vento fustigava esquecimento
de seus seios o leite derramado
brotava flores no inferno
aonde iria só seus pés sabiam
de si ela não era mais
em cada portão eles diziam
deixa aqui teus sonhos se queres prosseguir
fatigada como nuvem de chuva
insone como os lobos
o fogo atormentava seus cabelos
mundo era sinfonia
de nãos salmodiados
em cada portão eles diziam
deixa aqui teu nome se queres prosseguir
ela desceu ao centro do nada
nua
criança que volta ao útero
desceu às fronteiras
onde o baixo encontra o alto
ao longe escutou leve pulsar
duas notas tais vozes de crianças
lhe chamando
entre as pedras no infinito
em secreto estava
o coração
24 novembro 2010
As Coisas-Pessoas, As Pessoas-Coisas
09 novembro 2010
A Paixão Pelos Objetos
19 outubro 2010
Dois Poemas, Um em Prosa
A aurora desperta escondida
- privilégio dos insones -
e interminavelmente continua seu trabalho
dia após dia
Cada vez mais cedo
Primavera e - por que não -
Outono em meu coração.
Pequenas Possibilidades Cósmicas
Sua língua me habita, chave que abre as portas da noite nagual. Em breve o vento das estrelas, el Huracan celeste nos levará pelos mesmos becos cósmicos, esses vãos entre os grãos de areia, esse intervalo entre gotas d'água.
Abraçarei tuas asas como criança que encontra o sol na estrada e o leva para brincar de esconde-esconde e correm juntos pelos bosques, bebem dos regatos a insistente música do cosmos.
Irei contigo onde fores, língua que escreve na areia, pluma que dança na miragem dos oceanos. Entre teus deuses sou o estranho, meus olhos têm sangue, os teus têm estrelas; tu bebes a luz, sou tabuleiro, por isso olho ansioso a esfericidade dos limões, a geometria dos frutos, a geografia do sexo da terra.
Mergulharei em tua carne improvável deusa-mariposa, deixa-me ser por um instante a névoa que te envolve, o talo de relva em que pousas, a flor que te alimenta. Oceanos de néctar descerão em tua garganta, sou cometa entre cenotes e aldravas, alfabeto que se narra no amanhecer.
Eis aqui nosso amor, pequenas possibilidades cósmicas de paixão. Enquanto voas, a lua acende promessas de espaço.
13 outubro 2010
Aquilo que a Deusa Vê
04 outubro 2010
The Lemons & The Revolvers
The Lemons e The Revolvers
Ariadne Alencar Sousa
Olhei, angustiado, em volta do palco. Só encontrei um cara com um balde e uma vassoura na mão. Era ele.
- Com licença, o senhor é vocalista da banda The Lemons?
- É... sou.
- É verdade que vocês vão tocar no Festival da Independência?
- Não.
Maravilha. Aquela era uma oportunidade para a nossa banda entrar em ação.
- Mas então o que o senhor está fazendo aqui?
O vocalista suspirou.
- Hambúrguer. Não vê que eu tô fazendo hambúrguer?
- Sério? Não parece.
- Garoto, você é cego ou o quê? Eu tô lavando o palco!
Depois de um tempo, o vocalista voltou a falar:
- Talvez a gente toque. Você sabe, tem que pagar pra tocar.
Aquilo me deixou com uma com uma sensação meio ruim. Tá certo que o que a gente tinha passado pra chegar até lá não havia sido nenhuma moleza, mas a gente não teve que limpar chão nenhum!
-Ei, senhor,(não sei se devia chamar ele de “senhor”,ele parecia não ter nem vinte anos direito; seja como for era mais velho que eu) nossa banda vai tocar aqui! A gente podia se juntar com a sua banda e tocar tudo como uma banda só! Não ia ser a maior loucura? Uma banda com dois baixistas,dois vocalistas, dois bateristas e dois guitarristas! E juntando o estilo Beatles da minha banda com o hardcore do senhor, a gente podia fazer um hard psicodélico de primeira!
O vocalista me olhou desconfiado.
- O resto da banda é feita de guris malucos iguais a você?
- Bem...é.
- Então os The Lemons tão nessa!Não somos guris mas somos malucos!
- É isso aí!
23 agosto 2010
Dois Poemas
22 julho 2010
Dois Poemas
Ouvir
feche os olhos para ouvir o mundo
escutarás as vozes dos deuses sem nome
incessantes ondas do tempo
espalhando ecos
sussurros marinhos, aves de gelo
no outono o som das folhas tristes
no solstício o espináculo do sol
plic plac das chuvas
confidências das raízes sob a terra
estalos das sombras em busca de luz
feche os olhos para acordar inteiro
ouça seu nome
quando estiver só.
Paisagem
do alto quem escutará bandeiras ao vento
quem saberá palavras
que atraem mel e sol
além das nuvens de elétrons
deuses hesitam
entre a nova terra e a destruição
sob o azul frases titubeiam
é preciso achar o lugar
onde os pássaros teimam o amanhã
é preciso marcar
com menires e sal
o espaço onde as estações copulam
agradecer à memória de cada coisa
que esqueceu a tristeza
08 julho 2010
gentes d'áfrica
as meninas da áfrica não falam
seus lábios foram cortados
os meninos da áfrica
são tão velhos quanto a fome
as mulheres da áfrica
amamentam desertos
os homens da áfrica têm
monstros nos pés
as meninas da áfrica vagam
com sorrisos de encher estrelas
os meninos da áfrica pulam
tão altos quanto o kilimanjaro
as mulheres da áfrica dançam
com coxas de enlouquecer o mundo
os homens da áfrica contam
com vozes de nunca morrer
06 abril 2010
A Cidade de Espelhos
16 março 2010
Uma Anotação & Outros Poemas
03 março 2010
Outros Poemas
25 fevereiro 2010
Novos Poemas
15 janeiro 2010
SOS HAITI
Conclamamos a todos os leitores desse blog a participarem dessa corrente de solidariedade ajudando com doações via CARITAS. No site www.caritas.org.br há todas as informações necessárias de como fazer as doações.
Múltiplos Abraços,
Gledson
14 janeiro 2010
Entre AVATAR e o Haiti
Vamos lá: em primeiro lugar, o roteiro é mal feito, os personagens não têm consistência psicológica, são superficiais, quase automâtos. O personagem principal(o soldado da cadeira de rodas) vai do mal caratismo à santidade em pouco mais de duas horas sem que percebamos nenhuma transição nessa profunda transformação psicológica pela qual ele passa; a cientista interpretada por Sigourney Weaver é uma sucessão de estereótipos sobre cientistas e todos os outros personagens se movem entre as formas pré-moldadas da indústria cultural, meros bonecos travestidos de gente. Os Nav'is são também estereotipados, índios norte-americanos transplantados para o espaço sideral ( ao ponto de haver Nav'is das Planícies e das pradarias...), com direito a animais semelhantes a cavalos de muitas patas. O animal que é domado pelo soldado Jane Sully assemelha-se(demais) com o Pterossauro Quetzalcoatlus, que media cerca de 12 metros de comprimento e que possuía uma protuberância sobre o bico. O que estou querendo dizer é que o tal "mundo novo" criado por James Cameron não é tão novo assim; claro que há imagens belíssimas, mas todas são muito semelhantes ao que já há aqui na terra e mesmo as plantas luminosas de AVATAR são praticamente elementos da fauna marinha (como anêmonas) transpostas para um meio não marinho. Ou seja, há que separar, no filme, aquilo que são elementos estéticos dos avanços tecnológicos, assim como temos de separar o conteúdo político explícito do seu resultado como obra ideológica do meio e da civilização à qual ele critica ( os EUA); afora os clichês(que são muitos - como na cena em que Jake Sully chega à aldeia Nav'i - como não lembrar de DANÇA COM LOBOS ?), o ritmo é aquele alucinado do cinema americano de ultimamente, como se não fosse permitido sentir aquilo que o filme propõe (a comunhão presente em Pandora) porque não se tem tempo para tanto, haja vista que o filme corre de batalha em batalha, de clichê em clichê. A cena dos rituais de cura à sombra da árvore sagrada, com aquela dança meio rítmica das pessoas sentadas no chão é praticamente uma cópia de um ritual que aparece no já clássico BARAKA, onde vários monges aparecem cantando mantras sob a coordenação de um sacerdote já velhinho e que é uma das cenas mais conhecidas do filme. Não tem nenhum problema copiar uma cena de um filme como maneira de homenagear outro filme ou cineasta, como Brian de Palma fez na famosa cena do carrinho de bebê em OS INTOCÁVEIS, homenageando EISENSTEIN, que fez a cena original no mais que clássico O ENCOURAÇADO POTEMKIM. O problema é quando isso aparece como meramente cópia num amontoado de outras cópias veladas ou não.
Certo que o que fica claro é que Cameron tomou como referência, de alguma maneira, a destruição dos índios norte-americanos; a semelhança entre o que acontece com os Navi's e o que aconteceu aos índios na chamada "expansão para o Oeste" é muito grande. Mas ao transferir, de alguma maneira, o passado para um futuro hipotético no qual esse outro povo - os Navi's - é redimido, ele dilui o poder do acontecido e a própria memória daqueles que foram assassinados na "expansão do Oeste", porque o narrado não faz uma referência ao real existente, mas a um mundo fantástico que nos deslumbra pela sua beleza. Ao deslocar, de alguma maneira, a história dos índios norte-americanos para um lugar imaginário e utópico num futuro distante, o que acontece é que a história real se dilui, esquecemos o que de fato aconteceu, até porque muitos não conhecem o acontecido, o que faz com que ele se torne meramente peça do imaginário. Para restituir a história seu drama real é interessante ler ou reler o ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO, onde é contada a verdadeira história dos massacres cometidos pela civilização WASP sobre os índios.
Um detalhe a ser considerado é que, numa das falas, quando Jake Sully conversa com o coronel Quaritch e esse lhe pergunta onde ele serviu, um dos lugares onde ele, o coronel, serviu como Marine foi na VENEZUELA, dando a entender que a Venezuela foi invadida pelos EUA, já que o filme se passa em um futuro não identificado mas também não tão distante de nós,como se isso estivesse presente no imaginário americano (e porque não dizer nos planos americanos, haja vista que os EUA cercou a Venezuela com treze bases militares entre a Colombia e o Caribe - ver artigo de Ignácio Ramonet no www.cartamaior.com.br).
A crítica feita à dominação é interessante, mas não é substancial, porque de certa forma a crítica feita se anula com o poder do filme de seduzir para suas estratégias de marketing, onde ele é a própria expressão da dominação da indústria cultural e da cultura norte-americana. Isso aparece no filme através do próprio Jake Sully: é ele quem vai salvar Pandora. Porque os próprios nativos não conseguem organizar sua rebelião ? Porque eles não conseguem sozinhos expulsarem o invasor ? Porque justamente um dos invasores vai ser o redentor de Pandora ? Isso faz parte do imaginário americano, de que a nação americana, o povo americano são os guardiões da liberdade, é uma predestinação heróica que faz com que outros povos precisem da tutela americana para se libertarem. Aquilo que AVATAR enuncia no discurso invalida na prática.
Enfim, é preciso não cair nas estratégias de sedução que tentam apresentar AVATAR como um grande filme; ele não é um grande filme, é uma fraude estética, é como um copo de ópio tomado enquanto se cheira cocaína, ou seja, é um narcótico estético que o que menos quer nos fazer é pensar e menos ainda pensar na destruição do planeta. Ele é somente mais um grande produto da indústria cultural, que consegue arranjar soluções técnicas engenhosas, mas que largou mão de uma coisa chamada talento, que James Cameron nunca teve, seus filmes sempre foram de medianos a ruins, sina da qual AVATAR não consegue escapar.
Saindo AVATAR, entramos no Haiti, e entramos na tragédia do Haiti também com o triste sabor de deja vu. Se ao assistirmos AVATAR essa sensação era presente porque o filme repete clichês, no Haiti não foi o terremoto que se repetiu, mas as cenas de uma realidade que não se modifica, porque os opressores (inclusive o Brasil que mantém lá sua missão militar) não querem que isso se transforme. É como uma crônica de uma morte anunciada, o Haiti já estava destruído antes do terremoto, ele é uma espécie de nobody's land, onde industriais ávidos espoliam trabalhadores da indústria têxtil para alimentar o mercado norte-americano de roupa barata, num regime de trabalho que dizem que é pior que a China.
Nunca fiquei tão chocado como ao ver uma foto numa revista NATIONAL GEOGRAPHIC, dos bolos de argila e gordura que o povo haitiano faz para comer ou enganar a fome e que são até vendidos nos mercados, e fiquei mais chocado ainda quando vi, no apartamento de um conhecido meu, o exemplar de um desses bolos de argila e gordura: para mim aquilo não era comida, era algo como uma escultura primitiva, um disco circular de argila e gordura que nas ruas de Porto Príncipe são vendidos para aqueles que nada tem enganarem sua fome.
Agora os países ricos (e qualquer país é rico perto do Haiti) anunciam suas ajudas de milhões de dólares. Mas comparem as ajudas destinadas com aquelas que foram dadas para salvar bancos, financiadoras e seguradoras no auge da crise econômica e verão que a ajuda anunciada não é nada frente ao que se gastou para salvar a burguesia falida, não é nada com o que se gastou para salvar os grandes capitais transnacionais.
Agora as grandes nações alardeiam suas ajudas como se fossem salvadores (o que de fato serão frente à catástrofe), mas escondendo o fato de que são todos responsáveis, seja pela omissão e silêncio, seja pela colaboração direta com a dominação e opressão de que o povo haitiano é vítima e que tem suas origens ainda na colônia, passando pelas lutas de libertação.
É tudo muito triste e nessa noite da alma somos todos haitianos. Não vamos contar os mortos, não vamos chorar mais por aqueles que nada têm. Vamos sim ajudar, lutar de alguma maneira, torcer, brigar, vamos desejar que o sol brilhe novamente sobre o Haiti e que esse povo tão sofrido siga com ânsia as pegadas da liberdade até sua completa libertação.
Somos todos haitianos.