Assisti ontem ao aclamado filme AVATAR. Como sempre, fascinado que sou pelo cinema, entrei na sala à espera de uma revelação, de algo que me motivasse e me emocionasse de maneira profunda, principalmente que fosse uma experiência estética nova e interessante. Mas devo dizer que me decepcionei profundamente, porque, independente de seus efeitos especiais e da tridemensionalidade, o filme é uma sucessão de clichês cinematográficos, uma mistura de cenas descosturadas de filmes de violência, um pouco de DANÇA COM LOBOS ou até um pouco de UM HOMEM CHAMADO CAVALO, e algumas outras cenas e animais copiadas de outros filmes.
Vamos lá: em primeiro lugar, o roteiro é mal feito, os personagens não têm consistência psicológica, são superficiais, quase automâtos. O personagem principal(o soldado da cadeira de rodas) vai do mal caratismo à santidade em pouco mais de duas horas sem que percebamos nenhuma transição nessa profunda transformação psicológica pela qual ele passa; a cientista interpretada por Sigourney Weaver é uma sucessão de estereótipos sobre cientistas e todos os outros personagens se movem entre as formas pré-moldadas da indústria cultural, meros bonecos travestidos de gente. Os Nav'is são também estereotipados, índios norte-americanos transplantados para o espaço sideral ( ao ponto de haver Nav'is das Planícies e das pradarias...), com direito a animais semelhantes a cavalos de muitas patas. O animal que é domado pelo soldado Jane Sully assemelha-se(demais) com o Pterossauro Quetzalcoatlus, que media cerca de 12 metros de comprimento e que possuía uma protuberância sobre o bico. O que estou querendo dizer é que o tal "mundo novo" criado por James Cameron não é tão novo assim; claro que há imagens belíssimas, mas todas são muito semelhantes ao que já há aqui na terra e mesmo as plantas luminosas de AVATAR são praticamente elementos da fauna marinha (como anêmonas) transpostas para um meio não marinho. Ou seja, há que separar, no filme, aquilo que são elementos estéticos dos avanços tecnológicos, assim como temos de separar o conteúdo político explícito do seu resultado como obra ideológica do meio e da civilização à qual ele critica ( os EUA); afora os clichês(que são muitos - como na cena em que Jake Sully chega à aldeia Nav'i - como não lembrar de DANÇA COM LOBOS ?), o ritmo é aquele alucinado do cinema americano de ultimamente, como se não fosse permitido sentir aquilo que o filme propõe (a comunhão presente em Pandora) porque não se tem tempo para tanto, haja vista que o filme corre de batalha em batalha, de clichê em clichê. A cena dos rituais de cura à sombra da árvore sagrada, com aquela dança meio rítmica das pessoas sentadas no chão é praticamente uma cópia de um ritual que aparece no já clássico BARAKA, onde vários monges aparecem cantando mantras sob a coordenação de um sacerdote já velhinho e que é uma das cenas mais conhecidas do filme. Não tem nenhum problema copiar uma cena de um filme como maneira de homenagear outro filme ou cineasta, como Brian de Palma fez na famosa cena do carrinho de bebê em OS INTOCÁVEIS, homenageando EISENSTEIN, que fez a cena original no mais que clássico O ENCOURAÇADO POTEMKIM. O problema é quando isso aparece como meramente cópia num amontoado de outras cópias veladas ou não.
Certo que o que fica claro é que Cameron tomou como referência, de alguma maneira, a destruição dos índios norte-americanos; a semelhança entre o que acontece com os Navi's e o que aconteceu aos índios na chamada "expansão para o Oeste" é muito grande. Mas ao transferir, de alguma maneira, o passado para um futuro hipotético no qual esse outro povo - os Navi's - é redimido, ele dilui o poder do acontecido e a própria memória daqueles que foram assassinados na "expansão do Oeste", porque o narrado não faz uma referência ao real existente, mas a um mundo fantástico que nos deslumbra pela sua beleza. Ao deslocar, de alguma maneira, a história dos índios norte-americanos para um lugar imaginário e utópico num futuro distante, o que acontece é que a história real se dilui, esquecemos o que de fato aconteceu, até porque muitos não conhecem o acontecido, o que faz com que ele se torne meramente peça do imaginário. Para restituir a história seu drama real é interessante ler ou reler o ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO, onde é contada a verdadeira história dos massacres cometidos pela civilização WASP sobre os índios.
Um detalhe a ser considerado é que, numa das falas, quando Jake Sully conversa com o coronel Quaritch e esse lhe pergunta onde ele serviu, um dos lugares onde ele, o coronel, serviu como Marine foi na VENEZUELA, dando a entender que a Venezuela foi invadida pelos EUA, já que o filme se passa em um futuro não identificado mas também não tão distante de nós,como se isso estivesse presente no imaginário americano (e porque não dizer nos planos americanos, haja vista que os EUA cercou a Venezuela com treze bases militares entre a Colombia e o Caribe - ver artigo de Ignácio Ramonet no www.cartamaior.com.br).
A crítica feita à dominação é interessante, mas não é substancial, porque de certa forma a crítica feita se anula com o poder do filme de seduzir para suas estratégias de marketing, onde ele é a própria expressão da dominação da indústria cultural e da cultura norte-americana. Isso aparece no filme através do próprio Jake Sully: é ele quem vai salvar Pandora. Porque os próprios nativos não conseguem organizar sua rebelião ? Porque eles não conseguem sozinhos expulsarem o invasor ? Porque justamente um dos invasores vai ser o redentor de Pandora ? Isso faz parte do imaginário americano, de que a nação americana, o povo americano são os guardiões da liberdade, é uma predestinação heróica que faz com que outros povos precisem da tutela americana para se libertarem. Aquilo que AVATAR enuncia no discurso invalida na prática.
Enfim, é preciso não cair nas estratégias de sedução que tentam apresentar AVATAR como um grande filme; ele não é um grande filme, é uma fraude estética, é como um copo de ópio tomado enquanto se cheira cocaína, ou seja, é um narcótico estético que o que menos quer nos fazer é pensar e menos ainda pensar na destruição do planeta. Ele é somente mais um grande produto da indústria cultural, que consegue arranjar soluções técnicas engenhosas, mas que largou mão de uma coisa chamada talento, que James Cameron nunca teve, seus filmes sempre foram de medianos a ruins, sina da qual AVATAR não consegue escapar.
Saindo AVATAR, entramos no Haiti, e entramos na tragédia do Haiti também com o triste sabor de deja vu. Se ao assistirmos AVATAR essa sensação era presente porque o filme repete clichês, no Haiti não foi o terremoto que se repetiu, mas as cenas de uma realidade que não se modifica, porque os opressores (inclusive o Brasil que mantém lá sua missão militar) não querem que isso se transforme. É como uma crônica de uma morte anunciada, o Haiti já estava destruído antes do terremoto, ele é uma espécie de nobody's land, onde industriais ávidos espoliam trabalhadores da indústria têxtil para alimentar o mercado norte-americano de roupa barata, num regime de trabalho que dizem que é pior que a China.
Nunca fiquei tão chocado como ao ver uma foto numa revista NATIONAL GEOGRAPHIC, dos bolos de argila e gordura que o povo haitiano faz para comer ou enganar a fome e que são até vendidos nos mercados, e fiquei mais chocado ainda quando vi, no apartamento de um conhecido meu, o exemplar de um desses bolos de argila e gordura: para mim aquilo não era comida, era algo como uma escultura primitiva, um disco circular de argila e gordura que nas ruas de Porto Príncipe são vendidos para aqueles que nada tem enganarem sua fome.
Agora os países ricos (e qualquer país é rico perto do Haiti) anunciam suas ajudas de milhões de dólares. Mas comparem as ajudas destinadas com aquelas que foram dadas para salvar bancos, financiadoras e seguradoras no auge da crise econômica e verão que a ajuda anunciada não é nada frente ao que se gastou para salvar a burguesia falida, não é nada com o que se gastou para salvar os grandes capitais transnacionais.
Agora as grandes nações alardeiam suas ajudas como se fossem salvadores (o que de fato serão frente à catástrofe), mas escondendo o fato de que são todos responsáveis, seja pela omissão e silêncio, seja pela colaboração direta com a dominação e opressão de que o povo haitiano é vítima e que tem suas origens ainda na colônia, passando pelas lutas de libertação.
É tudo muito triste e nessa noite da alma somos todos haitianos. Não vamos contar os mortos, não vamos chorar mais por aqueles que nada têm. Vamos sim ajudar, lutar de alguma maneira, torcer, brigar, vamos desejar que o sol brilhe novamente sobre o Haiti e que esse povo tão sofrido siga com ânsia as pegadas da liberdade até sua completa libertação.
Somos todos haitianos.
Vamos lá: em primeiro lugar, o roteiro é mal feito, os personagens não têm consistência psicológica, são superficiais, quase automâtos. O personagem principal(o soldado da cadeira de rodas) vai do mal caratismo à santidade em pouco mais de duas horas sem que percebamos nenhuma transição nessa profunda transformação psicológica pela qual ele passa; a cientista interpretada por Sigourney Weaver é uma sucessão de estereótipos sobre cientistas e todos os outros personagens se movem entre as formas pré-moldadas da indústria cultural, meros bonecos travestidos de gente. Os Nav'is são também estereotipados, índios norte-americanos transplantados para o espaço sideral ( ao ponto de haver Nav'is das Planícies e das pradarias...), com direito a animais semelhantes a cavalos de muitas patas. O animal que é domado pelo soldado Jane Sully assemelha-se(demais) com o Pterossauro Quetzalcoatlus, que media cerca de 12 metros de comprimento e que possuía uma protuberância sobre o bico. O que estou querendo dizer é que o tal "mundo novo" criado por James Cameron não é tão novo assim; claro que há imagens belíssimas, mas todas são muito semelhantes ao que já há aqui na terra e mesmo as plantas luminosas de AVATAR são praticamente elementos da fauna marinha (como anêmonas) transpostas para um meio não marinho. Ou seja, há que separar, no filme, aquilo que são elementos estéticos dos avanços tecnológicos, assim como temos de separar o conteúdo político explícito do seu resultado como obra ideológica do meio e da civilização à qual ele critica ( os EUA); afora os clichês(que são muitos - como na cena em que Jake Sully chega à aldeia Nav'i - como não lembrar de DANÇA COM LOBOS ?), o ritmo é aquele alucinado do cinema americano de ultimamente, como se não fosse permitido sentir aquilo que o filme propõe (a comunhão presente em Pandora) porque não se tem tempo para tanto, haja vista que o filme corre de batalha em batalha, de clichê em clichê. A cena dos rituais de cura à sombra da árvore sagrada, com aquela dança meio rítmica das pessoas sentadas no chão é praticamente uma cópia de um ritual que aparece no já clássico BARAKA, onde vários monges aparecem cantando mantras sob a coordenação de um sacerdote já velhinho e que é uma das cenas mais conhecidas do filme. Não tem nenhum problema copiar uma cena de um filme como maneira de homenagear outro filme ou cineasta, como Brian de Palma fez na famosa cena do carrinho de bebê em OS INTOCÁVEIS, homenageando EISENSTEIN, que fez a cena original no mais que clássico O ENCOURAÇADO POTEMKIM. O problema é quando isso aparece como meramente cópia num amontoado de outras cópias veladas ou não.
Certo que o que fica claro é que Cameron tomou como referência, de alguma maneira, a destruição dos índios norte-americanos; a semelhança entre o que acontece com os Navi's e o que aconteceu aos índios na chamada "expansão para o Oeste" é muito grande. Mas ao transferir, de alguma maneira, o passado para um futuro hipotético no qual esse outro povo - os Navi's - é redimido, ele dilui o poder do acontecido e a própria memória daqueles que foram assassinados na "expansão do Oeste", porque o narrado não faz uma referência ao real existente, mas a um mundo fantástico que nos deslumbra pela sua beleza. Ao deslocar, de alguma maneira, a história dos índios norte-americanos para um lugar imaginário e utópico num futuro distante, o que acontece é que a história real se dilui, esquecemos o que de fato aconteceu, até porque muitos não conhecem o acontecido, o que faz com que ele se torne meramente peça do imaginário. Para restituir a história seu drama real é interessante ler ou reler o ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO, onde é contada a verdadeira história dos massacres cometidos pela civilização WASP sobre os índios.
Um detalhe a ser considerado é que, numa das falas, quando Jake Sully conversa com o coronel Quaritch e esse lhe pergunta onde ele serviu, um dos lugares onde ele, o coronel, serviu como Marine foi na VENEZUELA, dando a entender que a Venezuela foi invadida pelos EUA, já que o filme se passa em um futuro não identificado mas também não tão distante de nós,como se isso estivesse presente no imaginário americano (e porque não dizer nos planos americanos, haja vista que os EUA cercou a Venezuela com treze bases militares entre a Colombia e o Caribe - ver artigo de Ignácio Ramonet no www.cartamaior.com.br).
A crítica feita à dominação é interessante, mas não é substancial, porque de certa forma a crítica feita se anula com o poder do filme de seduzir para suas estratégias de marketing, onde ele é a própria expressão da dominação da indústria cultural e da cultura norte-americana. Isso aparece no filme através do próprio Jake Sully: é ele quem vai salvar Pandora. Porque os próprios nativos não conseguem organizar sua rebelião ? Porque eles não conseguem sozinhos expulsarem o invasor ? Porque justamente um dos invasores vai ser o redentor de Pandora ? Isso faz parte do imaginário americano, de que a nação americana, o povo americano são os guardiões da liberdade, é uma predestinação heróica que faz com que outros povos precisem da tutela americana para se libertarem. Aquilo que AVATAR enuncia no discurso invalida na prática.
Enfim, é preciso não cair nas estratégias de sedução que tentam apresentar AVATAR como um grande filme; ele não é um grande filme, é uma fraude estética, é como um copo de ópio tomado enquanto se cheira cocaína, ou seja, é um narcótico estético que o que menos quer nos fazer é pensar e menos ainda pensar na destruição do planeta. Ele é somente mais um grande produto da indústria cultural, que consegue arranjar soluções técnicas engenhosas, mas que largou mão de uma coisa chamada talento, que James Cameron nunca teve, seus filmes sempre foram de medianos a ruins, sina da qual AVATAR não consegue escapar.
Saindo AVATAR, entramos no Haiti, e entramos na tragédia do Haiti também com o triste sabor de deja vu. Se ao assistirmos AVATAR essa sensação era presente porque o filme repete clichês, no Haiti não foi o terremoto que se repetiu, mas as cenas de uma realidade que não se modifica, porque os opressores (inclusive o Brasil que mantém lá sua missão militar) não querem que isso se transforme. É como uma crônica de uma morte anunciada, o Haiti já estava destruído antes do terremoto, ele é uma espécie de nobody's land, onde industriais ávidos espoliam trabalhadores da indústria têxtil para alimentar o mercado norte-americano de roupa barata, num regime de trabalho que dizem que é pior que a China.
Nunca fiquei tão chocado como ao ver uma foto numa revista NATIONAL GEOGRAPHIC, dos bolos de argila e gordura que o povo haitiano faz para comer ou enganar a fome e que são até vendidos nos mercados, e fiquei mais chocado ainda quando vi, no apartamento de um conhecido meu, o exemplar de um desses bolos de argila e gordura: para mim aquilo não era comida, era algo como uma escultura primitiva, um disco circular de argila e gordura que nas ruas de Porto Príncipe são vendidos para aqueles que nada tem enganarem sua fome.
Agora os países ricos (e qualquer país é rico perto do Haiti) anunciam suas ajudas de milhões de dólares. Mas comparem as ajudas destinadas com aquelas que foram dadas para salvar bancos, financiadoras e seguradoras no auge da crise econômica e verão que a ajuda anunciada não é nada frente ao que se gastou para salvar a burguesia falida, não é nada com o que se gastou para salvar os grandes capitais transnacionais.
Agora as grandes nações alardeiam suas ajudas como se fossem salvadores (o que de fato serão frente à catástrofe), mas escondendo o fato de que são todos responsáveis, seja pela omissão e silêncio, seja pela colaboração direta com a dominação e opressão de que o povo haitiano é vítima e que tem suas origens ainda na colônia, passando pelas lutas de libertação.
É tudo muito triste e nessa noite da alma somos todos haitianos. Não vamos contar os mortos, não vamos chorar mais por aqueles que nada têm. Vamos sim ajudar, lutar de alguma maneira, torcer, brigar, vamos desejar que o sol brilhe novamente sobre o Haiti e que esse povo tão sofrido siga com ânsia as pegadas da liberdade até sua completa libertação.
Somos todos haitianos.
Um comentário:
Oi meu amigo, como sp belas palavras, não assisti o filme, por isso não posso falar nd, mas confesso q este não é o tipo de filme que me atrai e depois do q vc escreveu, faço menos questão ainda de ver. Tudo bem q não tenho o seu repertório filmeográfico para fazer críticas...rs...
Mas qto ao Haiti, concordo com vc, já tinha visto uma reportagem do biscoito de lama e é algo terrível. Vi no jornal q os EUA vão mandar uma ajuda assistencial sem precedentes, mas Obama teve a falta de sensibilidade de dizer que a prioridade é tirar os americanos de lá, é claro né?! Meu, pq este cara ainda ganhou o Nobel da Paz? Sem comentários... rezo a Deus q eles consigam se recuperar em tds os sentidos, como irmãos nosso que são.
Bjs, Sueli.
Postar um comentário