As coisas não são para nós, nós é que somos para elas. O velho Marx, ainda no século XIX, percebeu esse elemento da natureza do capitalismo, ao dizer:" O capital cria não somente um objeto para o sujeito, mas (também) um sujeito para o objeto." De fato, em nossa época fica patente que o que consumimos, mais do que atender a nossas necessidades, na realidade servem para que, através do consumo, atendamos às necessidades do mercado. O mercado fabrica realidades e necessidades. O mundo do consumo é dono da sua própria virtualidade; ele retroalimenta permanentemente esse universo fetichista com histórias, soluções e casos que dão a sensação, ao consumidor, de que essa lógica de consumo é patente e real em suas vidas e não somente na cadeia produtiva. Assim se glorifica a obsolescência das coisas justificando a necessidade de trocar de celular, computador, aparelhos de som, carros, etc, mesmo quando os objetos que compramos ainda se encontram em plena vida útil.
É claro que esse é um dispositivo de mercado, mas além disso, parece que ficamos enredados nessa lógica e no lugar da nossa efetividade e liberdade como sujeitos sociais - que não existe nessa sociedade -, colocamos a nossa paixão pelos objetos; paixão não no sentido amoroso, mas no sentido spinoziano, de que somos afetados negativamente, passivamente, pelos objetos. Não é uma escolha, é uma compulsão a que cedemos; em larga medida a indústria cultural e o marketing colaboram com essa paixão e de certa maneira a indústria cultural procura humanizar os objetos.
Não são poucos os filmes em que máquinas ou robôs são dotados de sensibilidade, senso de indagação ou mesmo curiosidade humanas - como em Wall-e, Eu, robô, 2001, etc, como se houvesse uma movimentação, da sociedade para a cultura, de transferir nossa humanidade para o artificial e o inorgânico. Esse movimento indica a ruptura máxima com a natureza pela tentativa de obter o controle total do humano justamente pela sua desumanização, pela sua desnaturação, pois a melhor característica do humano é sua imprevisibilidade, sua irregularidade, sua naturalidade.
Essa paixão pelos objetos é o ponto máximo da nossa alienação, de que nos tornamos estranhos para nós mesmos e transferimos para os objetos nossa energia, nossa efetividade, nossas pulsões. O fetiche ainda é pelas coisas, como se elas possuíssem nosso maná, nossa alma, E de alguma maneira possuem, enquanto são resultado do fruto do nosso trabalho, que consome nossas energias, nossa sensibilidade. Aqueles índios que se recusavam a se deixar fotografar com receio de que a máquina sequestrasse suas almas não deixam de ter razão: de fato, as coisas nos possuem, elas são mais importantes que as pessoas.
Isso não é uma paranóia política: observem como as pessoas tratam seus carros e seus gadgets e como tratam a outras pessoas. As coisas são super dimensionadas, hipervalorizadas, assim como os processos e instituições, em detrimento das pessoas.
Há uma espiral que vai das práticas de mercado e da cultura para as relações pessoais, onde as pessoas são desvalorizadas e as coisas são elevadas a um patamar de quase humanidade. outro dia, num comercial de automóvel, diziam que o carro deveria estar num museu como obra de arte; tomando um desses refrescos artificiais ocorreu-me pensar que ele não foi feito para mim, eu é que fui feito para ele, pois a verdade é que, quem precisa tomar um pó químico potencialmente perigoso com sabor de nada ? Mas vocês já viram as propagandas de refresco ? O quão saborosos eles são na boca de mulheres lindas e deslumbrantes ?
Curioso é que lutar contra essa paixão pelos objetos significa exilar-se no tempo. A medida de nossa época é a medida das coisas; a qualidade e o preço dos objetos serve como parâmetro para a qualidade e o valor das pessoas; os ricos compram carros, celulares e sutiãs com diamantes; a classe média compra carros, celulares e sutiãs, sem diamantes mas com grife; os pobres compram carros (quando podem) e celulares, usados e com dívidas, mas todos compram e se sentem irmanados, no mesmo paraíso das coisas, no nirvana da materialidade plena.
Nos sentimos seguros quando consumimos, parece que só assim nos reconhecemos como sujeitos. Essa é a máxima liberdade do capitalismo. A outra liberdade possível é a do ostracismo, do exílio, pois quando não participamos dessa pretensa comunidade de consumidores somos enxotados, como se possuíssemos alguma doença grave e contagiosa.
São poderosos os mecanismos de dissuasão e pressão, que tentam a todo custo tornar aparente uma liberdade que não existe; nossas escolhas se dão entre espadas e no fim das contas os objetos tomam conta de nós, em nome do Deus mercado.
Assim, existimos para as coisas e elas tomam conta de nós.
Um comentário:
Camarada, parabéns pelo seu trabalho, a cada dia está melhor. Um abraço!
A HISTÓRIA AINDA PULSA!!!!!!
Postar um comentário