15 agosto 2007

O Que Me resta

Talvez eu não consiga dizer exatamente o que quero dizer

palavras são constelações

e o tempo se curva na memória

dobrando o vazio dos dias.

Espalhados sobre a mesa dos tempos

milhares de recordações, profecias, intuições

aguardam o canto da minha garganta

minha boca grita numa América de sonho

minhas pernas estão nas savanas d'África


Como poderei erguer o tempo

como poderei reunir a noite e o dia enquanto o sol e a lua dormem

e gritar muitos poemas para amanhecer

se estou fragmento


tenho inveja das pedras

sou mercúrio derramado que se desfaz em mil esferas

cada uma refletindo o cosmos

cada uma refletindo a outra ao seu lado

saí do ventre da terra

a fórceps

num parto de trinta anos

sujo de terra vermelha

cansado de escalar montanhas de vento

as pernas entre aço e fogo

demorei mais 10 dias para abrir os olhos

meus olhos de sol, meus olhos de sol

a primeira coisa que vi foi o sol de fora

a língua aguardou o canto de outros pássaros

para falar

sem truques existenciais

sem declinações, sem gerúndios

como as pedras

olhando o espaço ao redor

de 200 milhões de cores

de muitos anjos ocultos


mas a garganta cala

não sabe como montar o mosaico da vida

ali o absoluto em flor

aqui a morte, a fome, o cancro

numa cruz suspensa no espaço

o corpo do deus e a gangrena de um sifilítico

há uma rocha sobre meu fígado

todo dia ela arranca um terço de minhas emoções

suga minha bílis

meu sangue então respinga pela via láctea

alimentando o cosmos

alimentando meu corpo sobre a terra

soltei os ventos da minha garganta, muitos ventos de muitos nomes

agora posso dizer

o que me resta.


Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa! Quanta poesia! ADOREI!!!