O Que Me resta
Talvez eu não consiga dizer exatamente o que quero dizer
palavras são constelações
e o tempo se curva na memória
dobrando o vazio dos dias.
Espalhados sobre a mesa dos tempos
milhares de recordações, profecias, intuições
aguardam o canto da minha garganta
minha boca grita numa América de sonho
minhas pernas estão nas savanas d'África
Como poderei erguer o tempo
como poderei reunir a noite e o dia enquanto o sol e a lua dormem
e gritar muitos poemas para amanhecer
se estou fragmento
tenho inveja das pedras
sou mercúrio derramado que se desfaz em mil esferas
cada uma refletindo o cosmos
cada uma refletindo a outra ao seu lado
saí do ventre da terra
a fórceps
num parto de trinta anos
sujo de terra vermelha
cansado de escalar montanhas de vento
as pernas entre aço e fogo
demorei mais 10 dias para abrir os olhos
meus olhos de sol, meus olhos de sol
a primeira coisa que vi foi o sol de fora
a língua aguardou o canto de outros pássaros
para falar
sem truques existenciais
sem declinações, sem gerúndios
como as pedras
olhando o espaço ao redor
de 200 milhões de cores
de muitos anjos ocultos
mas a garganta cala
não sabe como montar o mosaico da vida
ali o absoluto em flor
aqui a morte, a fome, o cancro
numa cruz suspensa no espaço
o corpo do deus e a gangrena de um sifilítico
há uma rocha sobre meu fígado
todo dia ela arranca um terço de minhas emoções
suga minha bílis
meu sangue então respinga pela via láctea
alimentando o cosmos
alimentando meu corpo sobre a terra
soltei os ventos da minha garganta, muitos ventos de muitos nomes
agora posso dizer
o que me resta.
Um comentário:
Nossa! Quanta poesia! ADOREI!!!
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