05 abril 2008

Uma Práxis do Devir

Na vida, erramos o tempo todo; não é por mal que o fazemos: na verdade, queremos tanto acertar que precipitamos os fatos, desequilibramos a balança, não seguimos o fluxo das coisas: é difícil aceitar, numa práxis de vida, a idéia do devir, do fluxo contínuo das coisas, da vida "em rio", porque nós, ocidentais, temos uma concepção ativa de vida, e ser ativo , para nós, é agir. É difícil entender o conceito hindu de "ação pela não-ação", a idéia de que mesmo quando não agimos estamos agindo: participamos da causalidade das coisas pela passividade.
A aparência do mundo nos engana quanto a sua permanência: não percebemos o movimento contínuo das coisas, a aparência garante a coesão e a estabilidade que nossos sentidos e mentes se utilizaram para criar e sustentar seus
engodos epistemológicos, tudo o que precisamos para elaborar os conceitos - é o tempo quem garante a coesão da aparência, aliás, o tempo regular; se o tempo fosse acelerado, talvez percebêssemos melhor a natureza do mundo.
A física teórica sabe que a aparência da matéria é uma ilusão, para a qual a mente e os sentidos ainda não conseguiram superar. A natureza está sempre em fluxo permanente, e assim também a nossa vida, sempre em fluxo, sempre em mutação permanente.
Como incorporar o devir numa
práxis do dia à dia ? Como nossa ética pessoal pode refletir isso, não a permanente transitoriedade, não que tenhamos a todo instante de ser outro ao qual nem conseguimos reconhecer, mas como incorporar no dia à dia esses movimentos incessantes, como incorporar justamente aquilo que permanece e, ao mesmo tempo, o fluxo das coisas ? Somos seres transitórios, mas aquilo que nos define são justamente as permanências.
Nosso
consciente ocidental tenta ter o controle absoluto das coisas, determinar toda a causalidade do nosso pequeno e frágil mundo, mas não conseguimos; na verdade, as coisas acontecem independentes de nós, apesar de nós, nem sempre por nós. Mesmo nos campos onde a ciência é aplicada para controlar a natureza, ou em sistemas que tentam ser minimamente previsíveis (e têm de ser, na concepção atual), como é o caso da Economia, a natureza vem e nos surpreende com o irregular, o imprevisível, o distorcido e o monstruoso.
Nas nossas relações pessoais, quanto maior a tentativa de controle sobre o outro e sobre os acontecimentos, maior será o sofrimento que o ego da pessoa irá sofrer, justamente por não aceitar as imprevisibilidades do amor e da vida. O amor enquanto sentimento socialmente
projetado, é altamente irregular; com certeza não é uma virtude burguesa: o que chamam de amor é outra coisa, um outro sentimento já domesticado, e não o potencialmente explosivo amor em essência.
A grande lição que Heráclito nos deu é justamente aquela da
harmonia das tensões contrárias, da dialética da vida, da qual o amor é uma manifestação cabal; mas não podemos negar o outro, o não, o irregular, na nossa vida: eles fazem parte tanto quanto o regular, a simetria, a similitude, a ordem; aliás, fazem parte da própria ordem, que é esse equilíbrio entre tensões.
Erramos por não sabermos reconhecer o papel do opositor, por rejeitarmos a
dialética. Considero isso algo normal; a nossa esperança é: o mundo vai ser sempre assim. Desde que Galileu comprovou as teses de Copernico, que nosso mundo parece mais instável e menor: o senso comum aristotélico-ptolomáico da terra imóvel é praticamente uma necessidade psicológica, quase uma necessidade social de um imaginário que traduza estabilidade.
Transitamos em torno do consciente, achando que o mundo gira ao nosso redor.

II

Às vezes é preciso romper a membrana
protetora das ilusões, para podermos seguir em frente; aceitar o devir é também endurecer um pouco o próprio espírito para se sobrepor à permanente transitoriedade das coisas.
Nossa natureza
edipiana sempre procura respostas, mas na maior parte das vezes não as encontramos; nossa autonomia é limitada pelos aspectos necessários do mundo. O amor é a grande resposta ?
Mas as ilusões existem para serem desfeitas: a cada véu rompido, nos afirmamos frente ao mundo - às vezes a dor é insuportável e precisamos parar, nos retirarmos do mundo, nos ausentarmos um pouco para podermos continuar a viver.
Essa é uma maneira de dizer: adeus.



2 comentários:

Anônimo disse...

Meu Nobre..
Lindo me encontrei em alguns momentos...Parabéns
Bjão

Anônimo disse...

Meu Nobre,
Esqueci de dizer que sou euzinha..rsrsr Inês a mala de Joinville.
SUCESSO