A existência humana é um contínuo processo de crescimento, algumas vezes em direção ao nada, outras em direção a um progressivo grau de auto conhecimento e conhecimento,um permanente desvendar da vida em direção à verdade.
Se algo pode definir a existência humana, em termos de símbolos ou metáforas, a imagem mais adequada que encontro é a de uma árvore no meio do mar: somos árvores que crescem em meio ao mar da existência, bebendo da água salgada e fecunda, crescendo para cima em direção à luz.
Esse crescimento através do conhecimento é uma permanente superação das ilusões, um progressivo crescer em direção a um alto - uma aproximação da verdade,ou das verdades - sistemas de conhecimento que nos levem adiante na nossa trilha tão humana.
A existência humana, como o disse Sileno ao rei Midas - é o sopro de um dia,uma jornada atribulada, marcada pela dor - física e moral -, pelos acidentes, pela insatisfação; somos pacientes de ações que não engendramos, somos sujeitos de ações das quais nem temos consciência, réus e juízes de eventos que na maior parte das vezes nem esperávamos: aí fincamos as raízes mais profundas em meio ao leito do mar, para assim resistirmos às tormentas, às tempestades, aos tumultos.
Mas enquanto resistimos e crescemos - para aqueles que querem crescer -, nos alimentamos da nossa própria humanidade, dos valores que são tão especificamente humanos, como é o sentimento do amor. E o amor é o alimento especial que nos nutre e nos impulsiona para cima, para o crescimento pessoal, para a vontade de superação, em direção às manifestações da luz. E o que é o amor ? Quem conseguirá definir exatamente o que ele é, pensar qual é sua natureza ? Acho que o amor é algo indefinível, algo que foge às categorizações racionais: quando ele surge, já é resultado de uma matemática oculta, de juízos de valor internos, de sensações e sentimentos que despertam essa grata sensação de amar.
Nietzsche dizia que a amizade era uma forma de amor; para mim a amizade é o próprio amor: a diferença está na presença da sexualidade: naquilo que normalmente entendemos como amor há a presença da sexualidade a envolver os seres, o que normalmente não ocorre nas relações de amizade.
Mas se o amor consiste em querem o bem de outrem acima do que se quer para si mesmo, se o amor consiste em desejar para o outro uma felicidade desinteressada, em pensar mais no outro que em si mesmo, a amizade acaba sendo, então, uma forma exaltada de amor - não uma forma superior, entenda-se que aqui não se trata de colocar um superior ou um inferior, nem de relegar a sexualidade a um segundo plano - mas uma forma diferenciada onde a não existência da sexualidade serve como catalisadora de sentimentos de solidariedade que não são obnubilados pela arena mais caliente do sexo.
Creio que o amor sexual é um avatar daquilo que temos de melhor enquanto humanos: a fusão de carne e espírito, a efusão de sentimentos com a graciosidade dos corpos é uma manifestação da nossa face mais cultural, no melhor sentido,pois sublimamos aquilo que nos outros animais é pura fisiologia. A amizade,por outro lado, se destituída de sexualidade, ganha contornos mais nítidos de puro sentimento.
O que diferencia a amizade do "amor-casal"(chamo de amor casal o amor que envolve a sexualidade) são as manifestações sociais de ambos: a sexualidade adquire um caráter social de cimentar as relações e a amizade é destituída desse aspecto como sendo algo necessário(o que não quer dizer que não possa acontecer).
Então o amor, com letras garrafais e maiúsculas, é a grande seiva que circula em nossas veias, trazendo para nossas faces o permanente orvalho da esperança. Esse amor-amizade,esse amor-paixão são faces do que melhor temos a dar e a receber; o amor é a verdadeira face da nossa humanidade.
Muitas vezes os ventos fortes nos vergastam o rosto, e bebemos todo sal, e nos curvamos, e cedemos à força da tempestade para sobreviver; mas do mais profundo coração emana a voz do amor, através das lembranças dos rostos das pessoas que amamos -companheiras(os), filhas(os),mães(pais), amigas(os) - e levantamos a face outra vez para o céu e em nossos galhos-braços surge um fruto, fruto da esperança,puro orvalho de Kwa-Non. Esse fruto condensa tudo o que somos: árvores em meio ao mar,em que brota o fruto da esperança.
De minha parte, devo agradecer à vida pela generosidade com que me doou de amores - passados e presentes, marcas e lembranças, frutos e passagens, paixões e amizades. Enumerá-los seria banalizar aquilo que a lembrança e o próprio amor já consagraram; mas nomear os amores-amizades é uma forma singela de homenagear essas pessoas que fazem parte da minha vida - cada um saberá se reconhecer, cada um saberá qual seu papel na minha existência; eles chamam-se Fadinha, Vitória e Ariadne, amores e frutos; eles chamam-se Bianca e Sueli, Pablo e Rosângela, espécies de flores raras que encontrei; eles chamam-se Andréa, mulher e guerreira;eles chamam-se Gilson,Expedita,Ísis,Adonai, humanos-deuses-irmãos; eles chamam-se Leo,Tati e Cecília, trio de ouro; eles chamam-se mamãe, Ina e Gilvanda, solo; eles chamam-se Edney, Edmilson e Valmir, anarcopunk-revolucionários-cartunistas; Conceição, doçura; Djaim, companheirismo;Soraia, sorriso com aroma de beleza; Mário Dirienzo, poeta-filósofo; Sérgio Anaz, bon gourmet e vivant; Ney, motorista-aventureiro; Babi, mestra e musa; Maíra, coração profundo; e mais: inumeráveis dias de sol, noites de solidão criadora, os rios que conheci e os que não conheci, uma prostituta perdida que vi dançando numa estrada do interior do Piauí, imagens da Via Láctea e Nietzsche...
Não é uma lista de preferências, é uma enumeração caótica de pessoas e coisas que marcaram e marcam minha existência e tem a imprecisão que toda enumeração caótica deve ter e a incompletude da própria existência. Mas essas pessoas são amores-amizades que alimentaram e alimentam os frutos que trago de esperança - cada uma a sua maneira, cada uma em seu próprio grau de intensidade.
Sei que é ridículo citar nomes, mas, como diria Pessoa, "todas as histórias de amor são ridículas", e citá-las(as pessoas), é a maneira que encontrei para, nesse início de ano, dizer como são ou foram importantes para mim.
Quando bate a tempestade e o granizo maltrata as folhas e as ondas nos cobrem de sal e mesmo o vento quer nos vergar, então rostos, imagens, sentimentos circulam pelas veias, circula a seiva de orvalho, volto o rosto outra vez para o sol e sei -sim, eu sei: tudo vale à pena.
4 comentários:
Fico emocionada cada vez que leio as coisas que você escreve. Tem tanto enigma, tanta complexidade, tanta solidão e ao mesmo tempo tanta claridade, tanta poesia... Então me diga como não me emocionar?
"Amores, Amizades e Frutos" nos abre para a reflexão sobre o amor, tão cantado, tão exaltado e tão pouco vivido na sua essência.
Obrigada por nos presentear com tamanha demonstração de amor. Obrigada por enxergar doçura, onde às vezes penso, só existir deserto e amargura.
Grande beijo
Con
Só sei de uma coisa
Eu sou uma princesa
O Gled que disse! rssss
Cara, não sei nem o que dizer, você já disse tudo, e mais um pouco! Também amo você meu amigo, e saber da sua existencia nesse mundo faz com que a gente acredite que nem tudo está perdido!
Beijos!!!
Interessante o comentário acima.
Cidinha
Vindo de quem, não é surpreendente, mas é sempre, sempre, sempre bom ouvir, falar com você e agora ler de você. achei maravilhoso. beijos
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