05 janeiro 2009

Troppo Vecchio

Por um instante, me senti como o "velho dos dias"; como se já houvesse carregado todos os caixões, sentido todas as dores, padecido todos os estigmas, amado todas as mulheres. Mas não como um gesto de cansaço ou apatia; talvez insatisfação, como a do peregrino que depois de muito andar percebe que foi na direção oposta de seu destino.
Dizem que os velhos têm o coração endurecido; eu, por muito amar, tenho sal nas artérias, o que ele bombeia é água do mar, porque tomei o mar em grandes goles, tentando calar uma ânsia de infinito, tentando traduzir um amor sem vestes, um sentimento de miragens e nomes de deusas, que ouvi encarnação após encarnação. Mio cuore não é um músculo involuntário, é uma caverna luminosa onde nereidas se reúnem à noite para cantar.
Ano após ano armando estratégias para capturar a beleza, ano após ano tentando fotografar as mutações do tempo e do espaço, até perceber a inutilidade da poesia, a insipidez dos gestos, a insidiosa loucura que é tentar agarrar o tempo, até se sentir como um afresco pompeiano, vendo o mundo se desfazer em ruínas, enquanto você permanece como a imagem de um mundo que desapareceu, ou que nunca existiu, a não ser em você.
Vi o sol nascer muitas, muitas vezes, mas isso não me cansa; tivesse que acordá-lo todos os dias, o faria com gosto, chamaria todos os pássaros, aquelas estrelas que amanhecem e a túnica púrpura do céu e todos os dias o veria levantar-se novamente e cobrir o planeta de luz.
Faço vigílias para o sol.E devo ter feito sempre, eternidade após eternidade. Quando desço aos meus infernos nunca perco a esperança porque mesmo lá enxergo um sol; e luto por ele. Amanhecer é um direito inalienável.
Troppo vechio, bebi muitos vinhos em honra da lua; enquanto magos sinistros consultavam o fígado dos mortos, esperava o desabrochar das flores noturnas, via presságios nas pétalas que desabrochavam e nos desenhos que as marés da lua cheia faziam na areia.
Aprendi a não forçar o destino; não tentar suborná-lo, chantageá-lo, apressá-lo, amadurecê-lo a força. As frutas só têm sabor quando maduras e a maturação é um processo lento: é preciso que a seiva encontre o tempo justo de levar o dulçor pelos caminhos da árvore, é preciso um certo cansaço, e porque não dizer, um certo desencanto para dar-se por inteiro à vida. A fruta madura está pronta para morrer. Mas sua morte é a garantia de que verá outras manhãs, não mais como fruto, mas como árvore.
Ou melhor dizendo, como ela mesma. Nós velhos sabemos que a forma pouco importa. Pouco importa a garrafa, é a água que mata a sede. Os poemas transmudam-se de muitas para poucas palavras, de poucas palavras para nada, do nada para o rio, mas o que é essencial permanece, que é a sede de expressar o mundo e a dor de sentir-se separado.
Às vezes me sinto cansado, troppo vecchio, o velho dos velhos. Um simples gesto, uma palavra de sol, um sorriso de minhas filhas, uma frase como "Olá companheiro, como estás ?" e o sangue volta-me à face; sinto vontade de correr, de abraçar a todos, de xingar todos os cínicos, fazer a dança da chuva no meio da chuva em pleno viaduto até ser preso por desacatar os ventos e diluir o bom senso e a boa ordem numa garrafa de vinho.
É o que pede a liberdade de um velho de 36 anos.

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