08 dezembro 2008

EXÍLIOS

Corre em mim seiva de um tempo que nunca encontrei
imagens de lugares cujo som
é a voz de instrumentos mortos
para sempre em exílio, para sempre em busca
do sol de um milhão de cores
do fogo inextinguível
da deusa cujo templo é rio

sempre caminho, adiante, adiante, adiante
meus pés são fibra vegetal, meus olhos
horizonte de Setembro
percorri a palma de minha mão procurando sinais
do cosmos, do que eu fui, do vir a ser
somente lágrimas deixaram pegadas
somente as luzes
de estrelas viajantes
que surgiam quando a noite alta
queria tomar o coração
nas rugas há pegadas
dessa noite de exílio
choque do espaço, choque do tempo
meu coração abre as portas em Abril
sorri em Agosto, nasce em Setembro
alma cigana, as raízes de mim estão
na poeira de uma cidade abandonada
sou círculo que se prolonga com a água
sangue dos famintos de beleza
cada vez que vejo o mar guardo as asas
penso
que o sal curará todas as feridas
minha face de espelho partido
minhas letras de mármore
minha canção de exílio.

07.12.08

ELA

Para Manasha

A Face dela transita no azul
nas piscinas que dançam entre corais
chamamos seu nome
que os ventos repetem sem cessar
está aqui nas dobras do metal
corrente contínua de caos e poesia
está aqui na pele da uva
na noite que os pássaros prolongam pela aurora
tento retardar seus passos
mas a estrada é longa
sinuosa como suas ancas de primavera
tento guardar com minhas mãos em concha
seu sangue oceânico
ela sorri como esfinge, tece notas
para o coaxar dos sapos
finge que minha voz
não cruzou o umbral
grafito as paredes do cosmos perguntando pela sua ausência
desenho mapas, roteiros de viagens
imaginando os lugares que ela pisou
meia-noite em Moscou
amanhecer em Antuérpia
tardes de verão em Tegucigalpa
é inútil
as mãos dela sobrevoam o lago Vitória
passo de compasso, num círculo tento
ultrapassar o infinito de seus sonhos
na gota d'água decifro
a aurora que ela projetou
Oh lembranças de amor infinito
é preciso nomear as ruas
com seus milhares de sorrisos
é preciso condensar no tempo
a variação infinita
de seus passos na maré
poemas são improvisos de cais
teu rosto vem em hexagramas
minha voz em trigramas incompletos
não há véus
somente
eterna transformação
língua de aço, recito os milhares de nome
que surgem do umbral de ti
é inútil
transbordo sempre o horizonte
procurando tua voz.

01 dezembro 2008

Novos Poemas

CAVERNA

Não sou humano
não gosto de lojas, templos, ruas sujas
vomito tripês e avenidas quando a noite cai
uivo sempre em silêncio
porque meus irmãos estão longe
escondidos na grama de Aldebaran
engolindo poesia no Potala

Sou nuvem de argônio 14
luminosa guiando os peregrinos perseguindo
feromônios místicos da deusa
não devia dizer, mas odeio viadutos e comida burra
minhas mãos seguram o mel que recolho das estrelas
não sei erguer montanhas de centavos
sempre confundo os meses do ano
principalmente quando outubro transborda em Vênus
e de longe uma voz de muito longe
lembra tua frase incompleta
mel-disfarce na boca do poeta
isso sou eu, essa teia entre sedas
não sou humano
nada mais e somente
uma caverna onde sussurra tua voz.


MIGRANTE

Se chove, derreto-me argila
barro cru do Horto
pedra seca de caatinga
trago sertão nos olhos
retina de constelações

e para cada pássaro, cruzo também o azul
para sempre.



O QUE É O AMOR

Quando a poesia entra
todos reúnem-se à mesma porta
todos falando ao mesmo tempo
recordações de uma foto do Alasca
a frase de amor interrompida
velhos mitos em máscaras de couro
três versos que falam da Deusa
o poeta abre sua casa
para os deuses
bebendo espíritos, conversando sobre o mundo
deuses das bolhas de sabão, deuses das esferas de arminhos
deuses da células, deusas das constelações
deusas do amor, deusas do trigo
- esse verso vem primeiro,
é preciso falar do amor como nuvem de orvalho -
diz a deusa do orvalho
- não, o amor é trovão que começa na manhã
e não termina nunca de sonhar -
enquanto o deus do trovão resmunga
a deusa do mel sibila
- amor é mel recolhido
nas estações incertas da poesia

ele anota cada letra 
que vem onda, nuvem ou gota
muda a métrica, altera a rima
mas o que ele queria
pendurar o sol no quarto dela
perfumar de orvalho as cortinas
segura-lhe as mãos e dizer
já não sei mais cruzar o tempo
sem que tua voz de trigo
esteja sempre com a minha voz.