13 julho 2017

Cartago

As ruínas de Cartago são radioativas

Quais os cabelos das nuvens

Em São Paulo mendigos de Cartago disputam

Embalagens com restos de comida

As ruas de Cartago estão sujas

Da fuligem das câmaras de gás

Piratas vendem feridas de crianças nos bazares

Painéis da bolsa anunciam

Lotes de mortos de Cartago

Até que a felicidade seja plena

Nos bolsos dos senhores

Números transfinitos contam

As gotas de óleo nada praias de Cartago

Nós que esperamos o dissipar do fogo

Não podemos esquecer

De Cartago

Bicicleta

De bicicleta a moça

Navega pelo tempo

Na cidade do medo pedala estrelas

Que o asfalto esconde

Tão frágil a cidade se revela

Quando o vento espalha seus cabelos

Atravessando meridianos de néon

Vela a liberdade

Tão triste a tarde, tão bela a vida

De bicicleta a moça esquece

Os gases raros

Que a tristeza aquece

Imago

Pessoas não existem

Se desfazem  suavemente

Ao toque

Numa tela de cristal

Ébrias de tanta felicidade

Onipresentes

Onívoras

Sem passado

Entre riso e grito não há mais distinções

Se há abismos, não importa

Desde que alguém curta

O paradoxo

20 abril 2016

POEMALDIÇÃO

Na tradição dos antigos bardos celtas, um poema para Bolsonaro:

POEMALDIÇÃO

Que a fúria da terra quebre seus ossos

E o ódio-ácido resvale
Em sua garganta de corvo

Os que cultivam a violência
Se irmanam em seus laços

Que o sal arda em seus olhos de cão

Que o fogo abrase sua língua de arame

Erínias, fúrias tenebrosas
Inundem suas noites de insônia

Que a terra reclame sua carne esponjosa

Os que rondam a morte
Devem tê-la em seus braços

Que a Deusa Mãe despeje sua ira
Naqueles que violam o feminino

02 outubro 2015

Amar?

                                                                                  Gledson Sousa

Não me peça condições

Não me imponha metas

Do teu amor só quero a claridade

Do meu te dou a transparência

Sou rio nas sendas de teu corpo

Voz em tua floresta de silêncios

Te ter tão perto, te amar tão só

Mordaça no peito, freio nas asas

Andamos sobre precipícios

Ninguém disse

Que amar era fácil

22 setembro 2015

      Benção
           Gledson Sousa​



Deus abençoe a américa e seus papagaios mortos

terra brazilis, rios de soja contaminando o cosmos
guilhotinas de cana em gargantas nhambiquaras
sangue de muitos índios, óleo de máquina na moenda do mundo
deus abençoe a estupidez das armas
balas do progresso eviscerando pássaros
estandartes-estacas, a ordem em cabeças decapitadas
suave é a mão que aperta o gatilho
afaga o lucro, esgarça o trigo
deus abençoe a palidez da américa
deus abençoe o sangue sem cor
sem cantos sem penas
deus abençoe a santa cruz onde pende  o Cristo índio
jogos de dados em mantos de penas
deus abençoe
a estupidez que nos tornamos

03 setembro 2015

A Questão Indígena e os Guarani-Kaiowá



Com um governo que se diz popular, mas que possui como ministra da agricultura uma latifundiária célebre - Kátia Abreu - conhecida adversária dos índios, a questão indígena foi abandonada: as demarcações de terras foram paralisadas e terras já demarcadas passaram a ser questionadas; a Funai está praticamente largada e sob a pressão dos latifúndios e à margem do sistema e dos valores do mundo capitalista, os indígenas estão à míngua, largados à própria sorte.
É errôneo imaginar que as comunidades indígenas estão paralisadas no tempo e que a mentalidade delas remonta às 'priscas eras', mas sem dúvida, seu relacionamento com a natureza é um parâmetro de modus vivendi entre o homem e o meio, e temos mais a aprender com elas, as comunidades indígenas, do que elas com nós: nós temos doenças, um sistema econômico autofágico, uma sociedade narcisista, sempre a olhar para um espelho vazio; eles possuem uma sabedoria milenar, o amor pela vida no que ela é - a natureza, o meio, e um equilíbrio que nós desaprendemos.
Nosso 'progresso' é uma miragem e como toda miragem no deserto, nos leva à morte.
Por isso e tantas outras razões, defender as comunidades indígenas e em particular os Guarani-Kaiowá não é nenhum gesto de bondade, mas sim de bom senso - por um lado, e de justiça, por outro, porque é preciso lembrar que, de acordo com a Constituição de 1988, é dever do Estado a proteção das comunidades indígenas - coisa que o Estado brasileiro não vem fazendo, e a violência disseminada só avança porque o governo é conivente, com seu silêncio e sua cumplicidade, direta ou indireta - com madeireiros, latifundiários e capitalistas em geral, que não desejam somente as terras indígenas, mas eliminar com os povos indígenas, que são considerados um obstáculo ao avanço violento, possessivo, destrutivo, sanguinário, burro, autofágico, poluente, e mais tantos outros adjetivos, do progresso.
Onde esta, nessa hora, a polícia federal, que não cumpre seu papel de defender aqueles que pela constituição são tutelados do Estado brasileiro (os povos indígenas)? Onde está o ministro da justiça, que há anos assiste massacre pós massacre, assassinato após assassinato de lideranças indígenas, de mulheres e crianças e não faz nada, sentado em seu gabinete?
É preciso denunciar: O Estado brasileiro é cúmplice de um genocídio em curso, precisamos defender os Guarani-Kaiowá e denunciar os crimes, a cumplicidade do Estado com a violência, bem como a ação local de fazendeiros e capatazes que, sob a vista grossa das polícias e das prefeituras locais, impunemente cometem seus crimes sem que nada aconteça.
Será que ficamos assim tão idiotas e indiferentes a ponto de perdermos nosso senso de justiça? Será que estamos tão anestesiados que nem reconhecemos mais a face da morte, principalmente dessa morte que vem com a sombra da cobiça e da cupidez, da fome de dinheiro? Me recuso a aceitar essa morte em vida. Reivindico aqui minhas heranças indígenas - meu sangue kariri, meu sangue tupi, guarani, tupinambá, meu sangue maué, kisedjé, yanomami, todos os povos, todas as tribos, todos os bichos, todos as plantas estão em meu sangue, sou Guarani-Kaiowá e aqui denuncio: não podemos aceitar calados o extermínio silencioso de todo um povo.