12 maio 2012

Gledson, Vitória (filha), Hermeto Pascoal e Aline Morena, Ariadne(filha) após
o espetáculo BODAS DE LATÃO, no Espaço Cultural da Caixa -SP, em 
05/05/2012


Bodas de Latão ou
O Coração do Mundo

Michelangelo queria libertar a forma que estava nas pedras, Hermeto libertou a música das coisas. A música de Hermeto e Aline Morena foge de qualquer rótulo. Não é erudita ou popular, é música, pura música: a mais completa substantivação do som em movimento. É difícil dizer o que é Bodas de Latão: não é um show ou espetáculo – categorias da cultura de massas que nem de longe se aproximam do que eles fazem. A forma mais aproximada seria o happening – porque traduz uma experiência coletiva de arte – se a palavra happening não fosse tão datada; mas a expressão mais apropriada é experiência espiritual – no sentido mais amplo que essas duas palavras possam ter, livres de conotações históricas ou religiosas: a maestria dos sons de Hermeto Pascoal e Aline Morena se traduz para o público numa vivência de alto nível – os sons estão livres pelo espaço, tocam-nos, nos levam para outros lugares, outras dimensões. A sensibilidade e as proezas musicais de Hermeto são notórias: é música pura em alto grau, seja improvisando uma peça ao piano – peça de imensa delicadeza e beleza -, tocando escaleta ou acordeom de oito baixos; mas a presença de Aline Morena é marcante, seja fazendo do próprio corpo um instrumento, tocando com mãos e pés, batucando na água ou encarnando a rainha da noite da Flauta Mágica de Mozart: também multi-instrumentista, vai da viola caipira ao piano, passando pela percussão na água ou no corpo, sem perder o senso musical ou a beleza. Se com toda razão Hermeto foi apelidado de bruxo – pois ele liberta a magia da música -, Aline parece uma fada, uma criatura da floresta de voz doce e cativante, batubailando como uma bacante tomada pelo espírito da música. Não há nada teatral – o que eles fazem, ELES SÃO, como se fossem um yin e yang musical a se completarem no palco.
No século XIX, o grande escritor e crítico musical alemão E.T. Hoffmann cunhou o termo música absoluta, para falar daquilo que ele considerava uma música pura, desligada de referenciais externos, e toda uma geração romântica discutiu sobre, e ele mesmo e Wagner diziam que Beethoven fora um que alcançara a música absoluta. Ora, em primeiro lugar, isso não existe como concebido: sempre há um referencial – interno ou externo - à música, e a música absoluta seria, para mim, não aquela desligada de referenciais, como se estivesse fora do mundo, mas aquela que é recuperada das coisas e que assim transforma a vivência do mundo numa vivência absoluta, pois encontra a música em todos os lugares – a música absoluta está em Hermeto Pascoal: na sua total liberdade criadora parece livrar a música de qualquer contingência- do papel pautado, das caixas de som, do feio, do bonito. Como diria Guimarães Rosa, na panela do pobre, tudo é tempero. E tudo vira alimento espiritual nesse grande caldeirão que é o Bodas de Latão – um xote, letras escritas num idioma universal (que lembram o experimento do poeta Russo Klebnikov com a linguagem Zaum, transmental), gritos, brinquedos de crianças. A música mostra que a beleza está em todos os lugares e abre nossos ouvidos para percebê-la, não como uma experiência banal, mas como generosa dádiva de uma natureza sem limites. Sim, o paraíso existe e está aqui: a beleza do mundo está ao nosso redor.
Palavras são vastas. E belas. Mas há vivências que são difíceis de serem traduzidas em palavras. A música de Hermeto Pascoal e Aline Morena é assim – fada e bruxo, amor e sonho – parece que estamos ouvindo o coração do mundo. 
De Volta!


Depois de um longo intervalo, volto à ESFERA DA MANHÃ. Agora que outras tarefas foram concluídas, retomo as postagens. Interrompo o TRATADO DA PEDRA, que está ganhando corpo em livro e cujos textos nem sempre cabem aqui por conto do formato. Agradeço aos que continuaram acompanhando mesmo no silêncio...