"A beleza ou será convulsiva ou não será beleza": essa frase de André Breton resume de maneira magistral a atitude romântico-revolucionária quanto à vida, um tipo de sensibilidade bem diferente da sensibilidade padrão dos nossos tempos, essa sensibilidade embotada, esse padrão conformista que não consegue enxergar novos horizontes - nem políticos, nem espirituais nem artísticos ou seja lá o que for.
Nós devemos querer a vida por inteiro, sem temores. Ainda que os tempos sejam obscuros e a mediocridade impere com todos os direitos que lhe são concedidos, não devemos temer a solidão por nos arriscarmos por aquilo que achamos certo, ainda que o mundo inteiro diga que não. Nada de ir pelo meio, prefiro arriscar o caminho dos extremos; há aqueles que, pensando em sua salvação pessoal - seja ela religiosa, política ou social - se poupam ao máximo e chamam isso de prudência. Acho que não devemos nos poupar nem no amor nem na guerra. Pensar demais em si mesmo, agir somente em proveito próprio é sintoma de uma profunda insegurança e pequenez da alma. A borboleta que morre ao contemplar o fogo pode viver menos mas é mais feliz.
Como medir o valor da vida ? Qual o metro que nos utilizaremos para saber o valor do que fazemos com a nossa vida ? Como conseguirmos dotar a vida de sentidos, de modo que ainda que um dia estivéssemos absolutamente sós no alto de uma montanha, pudéssemos olhar ao redor e dizer: valeu à pena. Creio que temos de preencher a vida de sentidos, de humanidade, em todos os gestos, em todos os atos; creio que o realmente grandioso é transformar o cotidiano em poesia.
A impressão que tenho, subjetiva, e como tal, valorativa, é que estamos o tempo todo a fugir da morte - morte aqui entendida em todas as acepções e metáforas possíveis que a palavra morte pode encarnar; não percebemos, não notamos, mas a vida é um fato permanentemente singular: tanto o substantivo - vida -, quanto o verbo - viver -, são de difícil definição: o que é viver ? o que é estar vivo ? Crescimento, expansão, memória ? Cada existência é o entrelaçamento de diversas outras no tempo e no espaço - entrelaçamento social, reunião de memórias, expansão biológica, unidade microcósmica - nossa vida é nossa e também do planeta em que vivemos. Estar vivo é algo extraordinário: só o cotidiano mecânico desfigura a existência, por isso que temos que revolucioná-lo.
Representar a vida como uma mulher jovem é uma alegoria plausível: a essência da vida é feminina, é fértil, é criação. Talvez por isso entenda e sinta toda a força que emana do quarteto de cordas A MORTE E A DONZELA, do Schubert. A imagem que deu origem ao quarteto é a de uma jovem - donzela - a fugir da morte; e ao longo de todo o quarteto, essas imagens antitéticas e complementares se traduzem em batalhas sonoras de altíssima voltagem, a morte e a vida, se anulam, se buscam, se completam: duas faces de uma só moeda. Talvez a morte seja só um aspecto da vida e vice-versa. Só sei que a música de Schubert tem uma força que surpreende, assusta, e é de uma modernidade avassaladora.
Schubert é de uma geração que viveu pouco: Mozart morreu com 36 anos, Schubert com 31, Pergolesi com 26, mas é de uma geração que viveu intensamente. Contra o mundo maquiavélico-burguês, temos que buscar, aqui e agora, o absoluto, manifestar o absoluto, conversar com o sol como fez Mayakovsky; viajar pelo tempo-espaço, como fez Klebnikov; ver o infinito numa praia da Riviera, como Montale, ou deus num prato de estanho, como Boheme. É preciso reagir ao cálculo e à mecanicidade, beijar os olhos úmidos das estrelas e converter todo crepúsculo em azul sem fim. Não sejamos cínicos, não aceitemos nunca a indiferença, a frieza frente à vida e suas manifestações. Tudo em nossa época quer nos fazer crer que a história já chegou ao fim e que o cinismo e a indiferença são partes da nossa existência. Não, nada está terminado, tudo está ainda por fazer.
Enquanto corremos em direção a nossas esperanças, a morte nos segue passo a passo. Como se fosse um livro que escrevemos, a vida precisa desse capítulo final, é ele quem dá fecho à obra. De certa forma, a vida só existe em função da morte, essa regressão para o inorgânico, como diria Freud, esse movimento final, coda do que fomos e do que somos.
Nesse final, violinos, viola e violoncelo se erguem num estranho sim. Quando se vive plenamente, a morte é só uma donzela querendo voltar para casa.
Nós devemos querer a vida por inteiro, sem temores. Ainda que os tempos sejam obscuros e a mediocridade impere com todos os direitos que lhe são concedidos, não devemos temer a solidão por nos arriscarmos por aquilo que achamos certo, ainda que o mundo inteiro diga que não. Nada de ir pelo meio, prefiro arriscar o caminho dos extremos; há aqueles que, pensando em sua salvação pessoal - seja ela religiosa, política ou social - se poupam ao máximo e chamam isso de prudência. Acho que não devemos nos poupar nem no amor nem na guerra. Pensar demais em si mesmo, agir somente em proveito próprio é sintoma de uma profunda insegurança e pequenez da alma. A borboleta que morre ao contemplar o fogo pode viver menos mas é mais feliz.
Como medir o valor da vida ? Qual o metro que nos utilizaremos para saber o valor do que fazemos com a nossa vida ? Como conseguirmos dotar a vida de sentidos, de modo que ainda que um dia estivéssemos absolutamente sós no alto de uma montanha, pudéssemos olhar ao redor e dizer: valeu à pena. Creio que temos de preencher a vida de sentidos, de humanidade, em todos os gestos, em todos os atos; creio que o realmente grandioso é transformar o cotidiano em poesia.
A impressão que tenho, subjetiva, e como tal, valorativa, é que estamos o tempo todo a fugir da morte - morte aqui entendida em todas as acepções e metáforas possíveis que a palavra morte pode encarnar; não percebemos, não notamos, mas a vida é um fato permanentemente singular: tanto o substantivo - vida -, quanto o verbo - viver -, são de difícil definição: o que é viver ? o que é estar vivo ? Crescimento, expansão, memória ? Cada existência é o entrelaçamento de diversas outras no tempo e no espaço - entrelaçamento social, reunião de memórias, expansão biológica, unidade microcósmica - nossa vida é nossa e também do planeta em que vivemos. Estar vivo é algo extraordinário: só o cotidiano mecânico desfigura a existência, por isso que temos que revolucioná-lo.
Representar a vida como uma mulher jovem é uma alegoria plausível: a essência da vida é feminina, é fértil, é criação. Talvez por isso entenda e sinta toda a força que emana do quarteto de cordas A MORTE E A DONZELA, do Schubert. A imagem que deu origem ao quarteto é a de uma jovem - donzela - a fugir da morte; e ao longo de todo o quarteto, essas imagens antitéticas e complementares se traduzem em batalhas sonoras de altíssima voltagem, a morte e a vida, se anulam, se buscam, se completam: duas faces de uma só moeda. Talvez a morte seja só um aspecto da vida e vice-versa. Só sei que a música de Schubert tem uma força que surpreende, assusta, e é de uma modernidade avassaladora.
Schubert é de uma geração que viveu pouco: Mozart morreu com 36 anos, Schubert com 31, Pergolesi com 26, mas é de uma geração que viveu intensamente. Contra o mundo maquiavélico-burguês, temos que buscar, aqui e agora, o absoluto, manifestar o absoluto, conversar com o sol como fez Mayakovsky; viajar pelo tempo-espaço, como fez Klebnikov; ver o infinito numa praia da Riviera, como Montale, ou deus num prato de estanho, como Boheme. É preciso reagir ao cálculo e à mecanicidade, beijar os olhos úmidos das estrelas e converter todo crepúsculo em azul sem fim. Não sejamos cínicos, não aceitemos nunca a indiferença, a frieza frente à vida e suas manifestações. Tudo em nossa época quer nos fazer crer que a história já chegou ao fim e que o cinismo e a indiferença são partes da nossa existência. Não, nada está terminado, tudo está ainda por fazer.
Enquanto corremos em direção a nossas esperanças, a morte nos segue passo a passo. Como se fosse um livro que escrevemos, a vida precisa desse capítulo final, é ele quem dá fecho à obra. De certa forma, a vida só existe em função da morte, essa regressão para o inorgânico, como diria Freud, esse movimento final, coda do que fomos e do que somos.
Nesse final, violinos, viola e violoncelo se erguem num estranho sim. Quando se vive plenamente, a morte é só uma donzela querendo voltar para casa.