30 novembro 2010

Descida de Ishtar ao Inferno

Ela desceu solene ao mundo sombrio
nem os mortos poderiam
interrompê-la
ave que se despluma nas trevas 
em cada portão eles diziam
deixa aqui teus gestos se queres prosseguir
folha que o vento carrega era seu nome
na senda cada dia mais estreita
palavras densas sufocadas
cortavam sua pele nácar
em cada portão eles diziam
deixa aqui tua voz se queres prosseguir
era lua nova no submundo
barco de papel que a bruma leva
sorriso de corça assustada
ela descia
de abismo em abismo
em cada portão eles diziam
deixa aqui teus olhos se queres prosseguir
não havia primaveras
não havia hibiscos nem jacintos
seus pés sangravam sobre vermes
sua pele era seda
tateando estalagmites de metal
em cada portão eles diziam
deixa aqui tuas lembranças se queres prosseguir
nua, serpente que troca de pele e se devora
seus dedos irradiavam luz
abaixo, soterrado estava seu destino
em cada portão eles diziam
deixa aqui tua vontade se queres prosseguir
o vento fustigava esquecimento
de seus seios o leite derramado
brotava flores no inferno
aonde iria só seus pés sabiam
de si ela não era mais
em cada portão eles diziam 
deixa aqui teus sonhos se queres prosseguir
fatigada como nuvem de chuva
insone como os lobos
o fogo atormentava seus cabelos
mundo era sinfonia
de nãos salmodiados
em cada portão eles diziam
deixa aqui teu nome se queres prosseguir
ela desceu ao centro do nada
nua
criança que volta ao útero
desceu às fronteiras
onde o baixo encontra o alto
ao longe escutou leve pulsar
duas notas tais vozes de crianças
lhe chamando
entre as pedras no infinito
em secreto estava
o coração

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